O setor imobiliário vem amadurecendo continuamente a relação com a cultura securitária. Isso é fato. Persistem, porém, alguns gargalos no meio do caminho, mas os sinais de que os riscos imobiliários já são gerenciados com mais precisão, sobretudo com o suporte dos seguros, principalmente o “garantia”, mostram que essa aproximação será ainda mais aprimorada em curto prazo
Projetos imobiliários envolvem riscos do início ao fim da obra. Mesmo depois, na entrega do imóvel, as gestoras dos condomínios se deparam com riscos que envolvem a administração predial. O seguro caminha, porém, ao lado das incorporadoras, empresas de engenharia e administradoras imobiliárias nessa jornada para reduzir, transferir ou eliminar riscos de todas as operações que norteiam o negócio. Gerenciar as possibilidades de perigo é o grande desafio, e para isso as empresas do ramo imobiliário que contratam suas apólices apoiam-se em diversos modelos de seguro, principalmente o de garantia, com a meta de preservar a integridade do empreendimento imobiliário em todas as fases, reduzindo, portanto, custos e promovendo mais segurança durante e após o término das obras.
Advogado especialista em direito digital e imobiliário, Cesar Beck alerta que em um projeto imobiliário os riscos são diversos e podem ocorrer de diversas formas desde a concepção até a conclusão do empreendimento. Entre os riscos mais comuns estão o de mercado, que se refere às flutuações de preços e demanda do mercado imobiliário, que podem afetar o valor do imóvel e a rentabilidade do investimento; o de construção, que alude aos problemas técnicos, atrasos e custos adicionais que comumente surgem durante o processo de construção do empreendimento; o de crédito, que se refere ao risco de inadimplência dos compradores ou locatários do imóvel, que pode afetar a receita e a rentabilidade do projeto, e o regulatório, concernente às mudanças na legislação e regulamentação do setor imobiliário, que podem afetar a viabilidade do projeto e as suas obrigações legais.
Para mitigar esses riscos, os empreendedores podem recorrer a contratos de seguros voltados para empreendimentos imobiliários, que cobrem diversos aspectos, como responsabilidade civil, incêndio, danos elétricos, entre outros. “É importante que esses contratos sejam estruturados de forma adequada, considerando as especificidades de cada projeto e as suas necessidades de cobertura, para garantir que o empreendimento esteja protegido contra os riscos relevantes e que a contratação do seguro seja uma ferramenta efetiva para mitigar os riscos envolvidos”, recomenda Beck.
Respostas em tempos de juros altos
Não bastassem os riscos comuns que cercam o negócio imobiliário, há o fantasma dos juros altos, que assombra a economia como um todo. Há, entretanto, produtos de seguros envolvidos em empreendimentos imobiliários que ajudam a protegê-los nestes áridos tempos de juros elevados e de muitos negócios. O seguro garantia certamente é um dos principais nesse sentido, como destaca o vice-presidente da Comissão de Riscos de Crédito e Garantia da Federação Nacional de Seguros Gerais (FenSeg), Átila Santos: “O seguro garantia possui diversas modalidades importantes para o setor de construção e tem se mostrado mais eficiente e mais atrativo tanto para os segurados como para os tomadores em função do preço e da qualidade das coberturas oferecidas. Pensando especificamente no seguro garantia, as seguradoras estão presentes desde a garantia da execução do contrato, da retomada de obra até a manutenção corretiva.”
Existem as seguintes modalidades de seguro garantia para os empreendimentos imobiliários: o “executante construtor”, o para “término de obras” e o “pós-entrega e manutenção corretiva”. Santos explica existir também a modalidade de seguro garantia imobiliário, porém em duas situações: nos casos de contratos de permuta — seja física ou financeira, em que o proprietário do imóvel permutado consta como segurado — e nos casos de contrato de compra e venda, em que os adquirentes finais constam como segurados da apólice. “O mercado de seguros oferece (ainda) o ‘fiança locatícia’ para empreendimento imobiliário construído no modelo built to suit, ou seja, ‘construído para servir’, que funciona como um tipo de contrato de locação, em que o dono do imóvel, o locador, constrói ou reforma para atender às necessidades do locatário e, em contrapartida, o contratante assume os custos da obra nos pagamentos mensais referentes ao aluguel”, reforça Santos.
A Delphos gerencia carteiras de seguros cobrindo riscos inerentes a mais de 3 milhões de imóveis. Presidente da empresa, Elisabete Prado assinala que há muitos produtos de seguros voltados ao segmento imobiliário, independentemente das taxas de juros incidentes sobre as operações financeiras. “Alguns mais tradicionais, como os que cobrem riscos materiais aos imóveis e riscos pessoais dos detentores de financiamentos dos imóveis, até os mais específicos, como os voltados aos riscos de engenharia, garantias de construção, entrega e performance, responsabilidade civil do construtor, e outros que compõem os combos dos seguros residenciais e/ou prestamistas”, exemplifica.
Sócio e diretor da corretora de seguros CNX, com base em Curitiba (PR), Caue Damião lembra que além de todos os vieses mencionados por Santos, da FenSeg, e Elisabete, da Dephos, as seguradoras apostam também em títulos de capitalização para viabilizar de maneira mais simplificada o processo de aluguel dos imóveis. “Não podemos deixar de destacar aqui, ainda, a figura dos condomínios nesse segmento de mercado. Esses cada vez atraem mais o público por praticidade e segurança e, aqui, as seguradoras também disponibilizam alguns produtos como o seguro condomínio e seguros de vida para os colaboradores desses condomínios”, diz Damião.
Esclarecendo ponto a ponto
Do ponto de vista da seguradora, os aspectos relacionados aos riscos propriamente ditos precisam ser precedidos da análise sobre o seguro que se pretende contratar, recomenda Elisabete Prado. Por exemplo, se a busca é por um seguro de garantia de construção, entrega e performance, todos os aspectos do empreendimento são relevantes, começando pela localização, ocupação e construção, até os contratuais, jurídicos, financeiros e comerciais.
No caso de seguro garantia e de fiança locatícia, Átila Santos observa que ambos consistem em operações mais estruturadas, muitas vezes contratadas “sob medida” e com análises detalhadas da estrutura físico-financeira do projeto, dos contratos, que são muitas vezes escritos com a participação da seguradora. “Não estamos falando aqui de seguros de ‘prateleira’, mas sim de contratos complexos em que as seguradoras se aprofundam em todos os detalhes do negócio, visando apresentar total segurança para as partes”, abrevia.
Cada empreendimento imobiliário tem várias fases na concepção do projeto de engenharia até a consolidação da venda do imóvel. O setor de seguros se insere em cada um deles eliminando ou transferindo riscos durante as operações imobiliárias.
Em qualquer dessas modalidades, assinala Elisabete, se o empreendimento estiver sendo construído conforme a legislação, dentro das boas práticas e ainda assim for acometido por um sinistro, o risco estará transferido para o segurador. “Obviamente, há que serem consideradas todas as condições das apólices e seus clausulados, principalmente nos quesitos riscos cobertos e riscos excluídos, os quais certamente se encontram especificados nos contratos ou apólices emitidas”, alerta.
Condomínios Protegidos
O produto “seguro imobiliário”, além de proteger os bens comuns dos condôminos, conta com diversos serviços de assistências acoplados à apólice, inibindo custos desnecessários para a boa funcionalidade do condomínio e possuindo, ainda, inúmeras coberturas acessórias que podem ser contratadas de acordo com a necessidade de cada local de risco. “Vejo um aumento de contratações sim, mas proporcional à quantidade de novos condomínios existentes. Se pararmos para analisar um pouco o setor de seguros no Brasil, vemos que ainda é um mercado com pouca aderência, apesar de não parecer. Existem poucas pesquisas, principalmente no âmbito de seguros imobiliários. Quando olhamos o ramo de seguro mais contratado no país hoje, o de automóvel, onde, segundo pesquisas, apenas 30% dos veículos contam com cobertura securitária, podemos presumir que boa parte dos condomínios, hoje, não conta com seguro, apesar de sua obrigatoriedade”, afirma Damião.
Tensão e Seguro
A tensão entre os entes existe, mas plenamente normal é a sua prevalência quando se presencia um contexto econômico instável, como esse instaurado no Brasil nos últimos quatro anos, e o setor de seguros não foge à regra. “No caso do seguro garantia, as partes precisam estar muito seguras de que o ‘risco é bom’, porque é um seguro que, quando resulta em sinistro, todas as partes sofrem um pouco. Mas é inegável que o papel das seguradoras é fundamental para mitigar tal sofrimento e, em última instância, evitar que o comprador do imóvel tenha perdas irreparáveis. Os seguros de crédito e fiança locatícia têm um pouco essa característica de tensão resultante de instabilidade econômica, mas, novamente, toda pré-análise do risco será determinante para uma boa aceitação e, consequentemente, um resultado favorável para as partes, de forma que os sinistros sejam realmente resultantes de forças aleatórias, imprevistas e inevitáveis, que são os princípios da existência do seguro”, avalia Elisabete Prado.
Átila Santos observa, porém, por outro prisma. Para o representante da FenSeg, o mercado de seguros atua sempre de forma a atender às necessidades das partes envolvidas, segurados e tomadores/locatários. Lembrando que tanto o seguro garantia quanto o fiança locatícia são contratos acessórios ao principal, ou seja, derivam da vontade das partes. “Portanto, podemos afirmar que não há tensão, mas sim grande participação de todas as partes envolvidas com o intuito de apresentação das melhores soluções. Um bom exemplo vem do seguro garantia na modalidade retomada de obras que, em função de longos estudos e avaliação da experiência do mercado internacional e, ainda, observado a adoção das melhores práticas utilizadas frente ao desembolso de valores em uma possível retomada, as seguradoras têm defendido que o percentual adequado seja o de 30% para composição da importância segurada”, esclarece Santos.
É fato, porém, que o cenário atual, regido por juros altos, traz instabilidade ao setor imobiliário, principalmente por dificultar financiamentos e, consequentemente, o escoamento dos imóveis produzidos. O crédito está caro no mercado e isso impacta diretamente nesse setor, constata Caue Damião. “Quanto ao seguro fiança, vemos que as análises das seguradoras estão cada vez mais criteriosas e, com o endividamento da população, esse tipo de contratação deve ser dificultada também. Apesar de termos cada vez mais seguradoras atuando nesse segmento, entendo que os critérios de análise são bem similares e, assim, as seguradoras devem a médio prazo apenas dividir o mercado”, pressupõe Damião.
Impacto de tragédias
O preço global dos seguros subiu, em média, 4% no último trimestre de 2022, em comparação com os 6% de aumento registrados no trimestre anterior, conforme o Marsh Global Insurance Market Index. O ritmo geral de aumentos de preços desacelerou, contudo, pelo oitavo trimestre consecutivo. Na América Latina, esse percentual de aumento do seguro foi mais expressivo: 7%, segundo informações do estudo, correspondendo a um percentual superior aos de outros continentes e mercados mais maduros, como americano (3%) e o Reino Unido (4%). Entre outras descobertas, a pesquisa revelou que os preços globais do seguro de propriedade (property, no qual se insere o “imobiliário”) subiram, em média, 7% no quarto trimestre de 2022. O aumento no trimestre anterior foi de 6%. Ou seja, a precificação dos riscos imobiliários continua a ser impactada pelo alto nível de perdas em 2022, especialmente por conta dos sinistros envolvendo tragédias ambientais. E, no Brasil, cada vez mais nos deparamos com episódios catastróficos, de norte a sul, que matam e destroem milhares de casas. Como o setor de seguros responde a cenários de tragédias? “Conforme vem sendo publicado pelas várias mídias sobre as catástrofes naturais, os impactos decorrentes dos eventos de natureza que marcaram o ano de 2022 e início de 2023 têm exigido cada vez mais atenção por parte das seguradoras, servindo como um rico aprendizado, e forçando-as a evoluir. As mudanças climáticas remetem necessariamente à inserção do tema nas pautas de governança no que diz respeito aos estudos e desenvolvimento de novos produtos e nas melhorias dos níveis de prevenção. É visível as respostas que o setor oferece através das indenizações que são feitas de forma justa, com regulações cada vez mais céleres, com desburocratizações nas etapas administrativas, e, sempre, com vistas a dar excelência na segurança dos clientes”, especifica Elisabete.
Para Damião, não há como esquivar-se da indesejável matemática, ou seja, quanto maior forem as indenizações, maiores serão os impactos nos preços dos seguros. “As seguradoras precisam repassar seus prejuízos ao mercado para terem uma operação saudável. Se tivéssemos uma cultura, educação, mais voltada para proteção e contratação de seguros, esses riscos seriam diluídos e o impactos financeiros seriam menores. Vejo um movimento positivo no nosso país de conscientização para tais proteções, mas ainda bem longe do necessário ao setor. Levaremos muito tempo para conseguirmos diluir os custos de um segmento em outro a fim de termos uma variação de preços somente voltada para inflação e afins. A única resposta que o setor pode dar para esses riscos é encontrando uma forma de aumentar o volume de contratações e, dessa forma, pulverizar seus riscos. Essa diluição de risco garante uma operação saudável e consequentemente preços mais atrativos ao consumidor”, sugere Damião.
Átila Santos observa que o mercado segurador brasileiro tem apresentado projetos inovadores para a sociedade e para o governo. Especificamente para as tragédias ambientais, seguradoras começam a apresentar soluções, como o seguro paramétrico para desastres climáticos. “Um seguro que pode garantir verbas para reconstruções de imóveis destruídos em decorrência dessas tragédias. Este seguro, por exemplo, pode fazer parte de programas públicos de subvenção para contratação do seguro”, enfatiza o especialista.
Há familiarização com o seguro?
No geral, construtoras, incorporadoras e outros segmentos do mercado imobiliário estão bem familiarizados com os modelos de seguros que atendem o setor. Eles são conscientes dos riscos associados aos empreendimentos imobiliários, como atrasos na construção, danos à propriedade e responsabilidade civil, e reconhecem a importância de garantir a proteção adequada por meio de contratos de seguro. “Entretanto, existem alguns gargalos que podem ocorrer nesse processo. Por exemplo: a estruturação jurídica e financeira de um empreendimento pode ser complexa, envolvendo diversas partes interessadas, incluindo proprietários, investidores e instituições financeiras. Isso pode levar a atrasos na obtenção do seguro ou a disputas sobre quem é responsável por pagar os prêmios do seguro”, entende o advogado Cesar Beck.
Além disso, prossegue o especialista, a comercialização, locação e destinação do imóvel também podem afetar a cobertura do seguro. Ele cita como exemplo o caso de um prédio comercial alugado para uma empresa que usa produtos inflamáveis, isso pode afetar os termos e condições da cobertura de seguro. “As construtoras e incorporadoras precisam estar cientes desses riscos e trabalhar em estreita colaboração com as seguradoras para garantir que a cobertura de seguro seja adequada em todas as fases do empreendimento imobiliário. As construtoras e incorporadoras imobiliárias geralmente têm uma percepção de que a gestão de riscos e seguros é importante para garantir a proteção adequada de seus empreendimentos e minimizar prejuízos financeiros em caso de sinistros. No entanto nem todas as empresas do setor possuem uma cultura do seguro bem estabelecida e podem não ter processos internos claros para gerenciar os riscos e contratar seguros adequadamente”, preocupa-se Beck.
Em resumo, as construtoras e incorporadoras imobiliárias devem investir em capacitação, análise de riscos, parcerias com corretores e seguradoras e estabelecimento de políticas e processos internos para garantir uma gestão eficiente de riscos e seguros em seus empreendimentos imobiliários.
Há, contudo, boas perspectivas na relação entre os setores imobiliário e o de seguros. Nos últimos anos, o mercado das construtoras tem se habituado a contratar as mais diversas modalidades de seguros. Os empresários entenderam a importância de se verem protegidos dos riscos. Mas é fato, como reconhece Átila Santos, que ainda existem muitas empresas que não estão habituadas a contratar apólices de seguro, e uma parcela muito maior de clientes finais que não conhecem as modalidades existentes. “O mercado de seguros vem trabalhando incansavelmente na busca de produtos aderentes a todos os públicos, mas, certamente, ter o apoio do governo, de forma a incentivar as contratações, inclusive subsidiando o pagamento do seguro, como já acontece no ramo agrícola, seria um grande acelerador para disseminação da cultura, do desenvolvimento de novos produtos e a efetiva proteção da sociedade”, salienta o representante da FenSeg.
Elisabete Prado também lamenta a baixa penetração do seguro no País e o impacto no mercado imobiliário: “Infelizmente, o seguro no Brasil tem uma participação de apenas 6,3% do PIB. Isso é muito pouco comparado com os países desenvolvidos. Há potencial para que se atinja 10% nos próximos anos, desde que o segmento prossiga com os investimentos contínuos em tecnologia, continue perseguindo a criação de produtos que se adequem aos vários tipos de consumidores, e que estejam ao alcance do poder aquisitivo da massa. Obviamente, quando há aportes financeiros de bancos para a construção dos empreendimentos, o seguro é uma parte importante e, quase sempre, compulsória. Mas quando as edificações resultam de outros recursos, ainda há muitas construtoras e incorporadoras que classificam o seguro como um insumo caro e preferem fazer elas próprias o gerenciamento do risco.”
Caue Damião também observa que as grandes construtoras e incorporadoras possuem familiaridade com o gerenciamento de riscos e seguros, sendo mais estruturadas juridicamente e com uma preocupação maior não só com os riscos, mas com suas responsabilidades com a sociedade. Todos esses fatores estimulam a se organizarem melhor nesse âmbito. “Na nossa rotina de corretora, quando fazemos prospecção de clientes, vemos uma facilidade maior de entrada em pequenas empresas. Essas, por não possuírem a cultura do seguro, quando nos dão abertura para demonstrarmos a sua importância e vantagens, acabam aderindo. Quando vamos para empresas de médio e grande porte, temos que fazer um trabalho mais consultivo e voltado para prestação de serviços a fim de demonstrar um diferencial de mercado perante os corretores que já atendem essas contas maiores”, sintetiza o executivo da corretora de seguros CNX.
Apesar de alguns fatores desfavoráveis, é latente a evolução da relação do setor imobiliário com o seguro nas últimas duas décadas. E o que se percebe é que, com modelos inovadores que se insinuam no mercado de seguros, essa relação se estreite ainda mais para o enfrentamento dos riscos inerentes ao setor imobiliário. De tijolo em tijolo, de apólice em apólice, concretamente.
Fonte: Revista Apólice
Por André Felipe de Lima